Parte 1
A morte prematura
Era o ano de 1975, calça boca de sino, gente bronzeada, Santos vibrava com a beleza da juventude que hoje em dia não encontramos mais… é só espiar a foto das nossas mães , jovens mulheres daquela época com seus cabelões lindos e lisos, barrigas a mostra, estilo hippie chique. Lindo!
E lindo era aquele menino de 18 anos, rosto perfeito e olhos amendoados. Alto, cabelos castanhos e compridos, levemente cacheados, magro, corpo definido e uma alegria tão grande que até incomodava. Jogava bola na praia todos os dias, aqui na frente no posto 4 era goleiro e estava entrando para o Santos F.C.
Era péssimo estudante, e sendo assim, tomava aulas particulares com sua cunhada, exímia professora de português apesar de tão novinha, e nos intervalos da aula ele entrava no chiqueirinho da sua sobrinha de dois anos, fazendo a criança perder o foleguinho de tanta risada! A neném passava a mãozinha no rosto daquele menino lindo, e sentia a penugem do começo da barbinha e do bigode.
Nesse dia como sempre, chegou na sua casa e se jogou no amplo sofá. Puxou as almofadas decorativas e apertou-as embaixo do pescoço, amassando de um jeito confortável. Sua mãe chega, beldade da década de 40, sempre com seu batom vermelho e postura de Joan Crawford, puxa as almofadas violentamente e ralha com seu filho mais novo, “ Você está destruindo as almofadas” esse era uma queixa diária, uma briga diária, a ordem das almofadas, a sujeira no sofá, o chão limpo. A cabeça dele pende para trás, sem as almofadas escorando seu pescoço, em um tranco violento. Esse mesmo tranco ele sentiria muito mais forte e irremediável nesta mesma noite.
Perante a violência da atitude de sua mãe, ele levanta , segura o rosto dela entre as mãos, o rosto perfeito, nariz afilado, cabelos ondulados como os dele, um pouco mais curtos , e a beija nas bochechas e na testa , dando risada e saindo, em busca de um copo de água ou algum pedaço de bolo na cozinha, que a sua avó, uma italiana amorosa provavelmente tinha preparado aquela hora.
Chega a noite, e o menino Márcio, esse era seu nome, está de banho tomado, calaça branca boca de sino, camisa azul jeans, perfumado e sorridente…
Nessa noite, ele havia combinado de ir para o Guarujá com os amigos.
A mãe, sentada no sofá, comentava para o marido os atos caridosos que ela havia realizado durante a semana, e criticava a nora e o modo como criava a neta, e por alguma razão que desconhecemos, ela estava aborrecida com o menino. Ele beija o pai, vira e agacha para beijar a mãe, que apesar de toda caridade e bondade aparente com os pobres e oprimidos de Santos, vira o rosto para o filho, e o beijo amoroso encontra o vazio. Ele arregala os olhos, e os aperta para dar uma risada gostosa e se dirige para a porta da rua, os amigos esperavam embaixo do prédio.
Ele nunca mais vai voltar. O seu carro cai no canal, e por algum motivo, ninguém comenta qual canal ele caiu, possivelmente uma defesa da família, que tem a tendência de não comentar seus pecados.
Ele estava dormindo, no banco da frente ao lado do motorista, com o impacto da batida no fundo do canal, o tranco fez sua cabeça violentamente ir para frente e para trás, arrebentando sua cervical, e o levando a uma morte cerebral imediata. O menino lindo de cabelos castanhos, da calça boca de sino, goleiro, péssimo estudante, tio da menina de 2 anos morre.
O tranco das almofadas arrancadas do seu pescoço, o tranco do carro batendo no fundo do canal.
Essa mãe, vai lembrar para o resto da sua vida que, na ultima vez que esteve com o filho, virou o rosto para evitar seu beijo. E, acreditem, essa experiência não fez dela uma pessoa melhor.